Plano de saúde é condenado a fornecer medicamento para tratar hepatite C. Advogado especialista em Direito da Saúde explica a decisão

Plano de saúde é condenado a fornecer medicamento para tratar hepatite C. Advogado especialista em Direito da Saúde explica a decisão

Justiça condena plano de saúde a fornecer medicamento para tratar hepatite C de paciente

 

Em mais um processo, a Justiça condenou o plano de saúde a fornecer o medicamento que trata Hepatite C, prescrito pelo médico do paciente, reforçando o direito dos consumidores de obter o medicamento não apenas pelo SUS, mas também junto ao plano de saúde.

 

Independentemente do medicamento, o advogado especialista em plano de saúde, Elton Fernandes, alerta que o paciente deve sempre possuir a prescrição do seu médico para entrar com ação judicial e que o medicamento pode mudar conforme o genótipo do vírus, estágio da doença ou critério médico, mas que o plano de saúde do paciente deve arcar com o tratamento, mesmo que a doença esteja em estágio inicial.

 

Diz o advogado especialista em Direito da Saúde, Elton Fernandes: "A relação com o plano de saúde é contratual e, por esta razão, sendo obrigados a tratar a doença do paciente, é irrelevante se a doença está grave ou apenas no início. Quem se sentir prejudicado pode ingressar com ação judicial", lembra o advogado.

 

A decisão aqui citada vale apenas para o paciente que ingressou com ação, mas é mais um importante passo para sedimentar o direito dos pacientes.

 

Confira a decisão:

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Relação: 0014/2017 Teor do ato: Vistos, etc. (...) ajuizou o presente pedido declaratório-condenatório (...), alegando, em apertada síntese, que foi diagnosticado como portador de 'VÍRUS HEPATITE C', conforme consta de relatório médico e que lhe foi prescrito o medicamento 'VIEKIRA PAK', o qual conta com o devido registro na ANVISA.

 

Assinala que a medicação foi prescrita com urgência já que é a única que pode combater o vírus com chance de cura superior a 95%, impedindo que a doença evolua para CIRROSE e posteriormente para CARCINOMA HEPATOCELULAR, o que se ocorrer necessitará de um transplante de fígado, o que acarretaria maiores gastos e risco de vida ao paciente. Aponta os efeitos benéficos do medicamento em estudos já realizados com outros usuários da droga.

 

Entretanto, ao solicitar o fornecimento do medicamento ao plano de saúde requerido, este negou-se em fornecê-lo, ao argumento de inexistir previsão contratual para cobertura de medicamento em regime domiciliar. Assinala que o fato de ser ministrado em ambiente domiciliar não retira a obrigação do requerido quanto ao fornecimento, até porque se trata de um 'antineoplásico', cuja cobertura é obrigatória nos termos do art. 12 da Lei 9.656/98. Salienta que o medicamento antineoplásico visa destruir células malignas ou mesmo evitar o surgimento delas. Destaca que a negativa da requerida, além de ofender a própria Lei de Plano de Saúde, ainda fere a função social do contrato e as normas previstas no CDC.

 

Reforça que o medicamento receitado pelo profissional de saúde tem o condão de combater o vírus da Hepatite C e consequentemente evitar que a doença evolua para neoplasia. Alude que é abusiva a recusa do requerido, mormente diante da prescrição do medicamento por médico devidamente habilitado, o qual tem condições de aferir o melhor tratamento para a cura da moléstia do paciente. Enumera precedentes judiciais sobre a questão.

 

Pede a antecipação dos efeitos da tutela para concessão do medicamente, ante o receio de dano irreparável, pois pode haver dano irreversível ao fígado, já que a doença pode evoluir para câncer e causar o óbito do requerente. Pretende, ao final, a procedência do pedido para custear o tratamento de acordo com a prescrição médica. A liminar foi deferida.

 

Regularmente citado e intimado, o requerido noticiou a interposição de agravo de instrumento e apresentou defesa, em que aduz sobre a natureza jurídica da entidade, que atua sem fins lucrativos, sendo mantida pela ECT e patrocinada pela POSTALIS e seus associados beneficiários, logo é classificada na ANS como autogestão e os planos como coletivos são de natureza empresarial, sujeitando-se à Lei 9.656/98. Tece considerações sobre a autogestão e que não se sujeita às regras do Código de Defesa do Consumidor. A título de preliminar, assevera que é dever do poder público garantir a preservação do direito à vida, razão pela qual deve ser reconhecida a falta de interesse do requerente, devendo ser pleiteado o fornecimento do medicamente junto ao SUS, já que o requerido não está obrigado a fornecer o medicamento ora pleiteado. No mérito, bate-se pela ausência de cobertura contratual e que, ainda que o medicamento seja autorizado pela ANS, ele é de altíssimo custo, podendo chegar ao valor de R$ 81.500,00. Outrossim, se trata de uso ambulatorial, que não se confunde com aqueles que são fornecidos quando o paciente está internado. Salienta que o requerente ao aderir ao plano concordou com suas estipulações, não se podendo permitir a ruptura financeira do plano e prejuízo aos demais segurados pela concessão de pedidos de fornecimento de medicamentos ambulatoriais. Desta forma, a negativa é legítima, razão pela qual pugna pela improcedência do pedido.

 

Sobreveio a informação do julgamento do agravo de instrumento, que confirmou a antecipação dos efeitos da tutela.

 

Em réplica, o requerente rebateu as alegações da defesa, reforçando o pedido inicial.Instadas as partes a indicarem as questões de fato incontroversas e as que já se encontravam provadas, bem como especificarem as provas sobre os pontos controvertidos, o requerido juntou documento (fls. 232) e o requerente manifestou-se a fls. 269/272 reforçando o pedido inicial.

 

Conciliação infrutífera. É o relatório do necessário. D E C I D O.

 

Em virtude do advento da Lei nº 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, deverão ser observadas suas disposições apenas no que concerne à prolação desta sentença, com a ressalva de que em relação aos atos anteriores é de se reconhecer a vigência do Código de Processo Civil de 1973, visto que eles foram regidos pelo referido diploma legal. Vale dizer que há de ser respeitada a eficácia e os efeitos dos atos processuais já realizados. Portanto, por força do disposto no art. 14 do atual Código de Processo Civil, o CPC/2015 não pode ter efeito retroativo, ou seja, a aplicação da nova regra processual deve ser aplicada para o futuro, a fim de não prejudicar as relações jurídicas já consolidadas, o que implica em garantir a observância da segurança jurídica. Assim, uma vez que o ajuizamento da demanda ocorreu sob a égide do CPC/73, sendo que a vigência do CPC/2015 deu-se somente na ocasião do proferimento da sentença, é de se considerar o efeito não retroativo sobre os atos processuais praticados à luz do sistema revogado. Feita tal ressalva, o mérito da causa comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I do CPC/2015.

 

O pedido formulado está em condições de imediato julgamento, até porque as partes dispensaram a produção de outras provas além daquelas existentes nos autos.Acrescente-se que a prova tem por objetivo formar a convicção do juiz, já que nosso sistema adotou o princípio do livre convencimento fundamentado ou da persuasão racional (art. 371, CPC/2015).Trata-se de pedido declaratório-condenatório fundado em contrato de plano de saúde.

 

É incontroverso que o requerente é portador de vírus de HEPATITE C e que lhe foi prescrito o medicamento 'VIEKIRA PAK', restando a controvertida apenas a questão relativa ao fornecimento do medicamento pelo requerido. Merece ser ressalvado que as regras do CDC devem ser observadas ainda que o plano de saúde seja de natureza de autogestão. Isto porque não há qualquer ressalva legal de que tais entidades estão excluídas da incidência de suas disposições.Além disso, deve ser observado o objeto do contrato que, no caso, é a de prestação de serviços, inserindo-se no enquadramento do art. 3º do CDC.

 

Vale dizer que a qualificação como fornecedor também pode se referir a ente despersonalizado, já que o CDC estabelece critérios de natureza objetiva, ou seja, o exercício da atividade mediante o pagamento de remuneração. Na hipótese dos autos, embora o requerido não tenha finalidade lucrativa, ele é financiado por meio do pagamento de contraprestações pelos beneficiários.

 

Logo, a relação é de natureza consumerista. Nesse sentido, importante precedente do C.STJ, REsp nº 254.467-SP, Rel. Min. Ruy Rosado. Sobre a incidência do CDC na relação jurídica em tela, seguem decisões extraídas do E. TJSP: "CONTRATO Prestação de serviços Plano de saúde Empresa que opera por autogestão Aplicação do Código de Defesa do Consumidor Desligamento do empregado Manutenção sua como beneficiário do seguro saúde prestado pela ex-empregadora Possibilidade Prêmio que deve corresponder à integralidade dos valores atualmente pagos em favor de empregados em atividade Aplicabilidade do art. 31 da Lei nº 9.656/98 Devolução de eventuais valores pagos a mais pela segurada Recurso parcialmente provido". (TJSP, AP 1017011-94.2015.8.26.0100, Relator(a): Alvaro Passos, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 13/12/2016, Data de registro: 14/12/2016).

 

Note-se ademais que com a edição da Súmula 469 do C.STJ, cujo enunciado dispõe que: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde", a discussão restou pacificada, visto que o enunciado não faz qualquer distinção quanto à pessoa do prestador de serviço.

 

De igual modo, a Súmula 100 do E.TJSP enuncia que "O contrato plano/seguro saúde submete-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/98 ainda que a avença tenha sido celebrada antes da vigência desses diplomas legais".

 

Vale dizer que o contrato de plano de saúde, ainda que firmado sob autogestão, deve ser interpretado à luz do art. 47 do CDC. Segundo consta do processo, o requerente é portador de 'Hepatite C' (fls. 48) e, em razão disto, foi prescrito pelo médico o medicamento ''VIEKIRA PAK' a fim de evitar o progresso da doença.Verifica-se, além disto, que a comercialização do referido medicamento é autorizada pela ANVISA (fls. 53/54).

 

Com efeito, ainda que o medicamento seja de uso ambulatorial, há de ser considerado que sua prescrição refere-se diretamente à doença que acometeu o requerente. Reputa-se, portanto, que a negativa do requerido em fornecê-lo é abusiva, pois torna inviável o tratamento do paciente em dissonância com aquilo que o profissional médico indica como necessário a cura.

 

Outrossim, a alegação de que o medicamento é de alto custo deve ser sopesado com os custos que deverão ser suportados caso se permita o desenvolvimento da doença, bem como há de ser garantido o direito à vida, que é consagrado na Constituição Federal de 1988.

 

Nesse sentido:"SEGURO SAÚDE Negativa de cobertura do medicamento Erlotinibe para tratamento oncológico de portador de neoplasia de pulmão, sob o fundamento de exclusão contratual, por ser o medicamento administrado em âmbito domiciliar - Não excluindo a operadora do seguro saúde a doença, não podem ser excluídos os procedimentos, exames e medicamentos necessários ao tratamento É abusiva a pretensão de excluir a cobertura do medicamento simplesmente pelo fato de ser aplicado em âmbito domiciliar. A evolução dos fármacos no tratamento do carcinoma, possibilitando a quimioterapia em ambiente domiciliar, impõe a devida interpretação da disposição contratual, até porque a ausência de internação hospitalar ou regime ambulatorial, além de resultar em tratamento mais humanizado ao paciente, é menos onerosa à fornecedora do serviço, contrariando o dispositivo contratual invocado as disposições da Lei n. 8.078/90 Diálogo das Fontes - A Lei n. 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, deve ser aplicada de forma harmônica e com observância das normas que regem a proteção e defesa do consumidor, reconhecidamente vulnerável no mercado de consumo (art. 4º, inciso I, Lei n. 8.078/90), e que são de ordem pública e social, estabelecidas na Lei n. 8.078/90, gozando, ainda, o consumidor de proteção constitucional (art. 5º, inciso XXXII e art. 170, inciso V) Sujeição ao CDC das demais normas que tratam de relações de consumo - Precedentes do STJ e aplicação das Súmulas 95 do TJSP - Caraterização do dano moral Litigância de má fé Inocorrência - Recurso desprovido." (AP 4000772-08.2013.8.26.0011, Relator(a): Alcides Leopoldo e Silva Júnior, Comarca: São Paulo, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 12/08/2014, Data de registro: 12/08/2014).

 

Registre-se que, em razão de milhares de ações em que são apreciadas pelo E. TJSP, consistente justamente na recusa em autorizar procedimentos decorrentes da doença coberta pelo contrato, foram editadas as Súmulas 95, 96, 100 e 102.Diante disto, a negativa fere o contrato firmado entre as partes, devendo ser considerada a abusiva a disposição contratual em que se ampara, por força do art. 51, IV do CDC.

 

A propósito, ao analisar questão da mesma natureza, foi decidido que:"OBRIGAÇÃO DE FAZER - Plano de saúde - Negativa de fornecimento de medicamento (Viekira Pak) Medicamento recém-aprovado e registrado na ANVISA Negativa de fornecimento de medicamento para doença coberta pelo plano que redunda na negativa de cobertura do próprio tratamento Descabida a interferência da operadora de plano no tema e na circunstância do caso Aplicação das Súmulas 95, 96 e 102 deste Tribunal Recurso não provido." (TJSP, AP 1065670-37.2015.8.26.0100, Rel. Miguel Brandi, j. em 12.01.2017). Nesse contexto, de rigor, a procedência do pedido.

 

Isto posto e considerando o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedidos, tornando definitiva a liminar, para condenar a requerida a fornecer ao requerente o medicamento 'VIEKIRA PAK', nos termos da prescrição médica e pelo período e modo que o profissional reputar necessário.Diante da sucumbência da requerida, deverá arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, ora fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do §2º do art. 85 do CPC.R.P.I. Advogados(s): Elton Euclides Fernandes (OAB 258692/SP), José Franciso de Oliveira Santos (OAB 74659/MG)  

 

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